Para
a compreensão do sujeito da psicanálise em sua relação com o social,
enfatizando as consequências dessa concepção para a prática psicanalítica, o
conceito freudiano de sublimação
torna-se essencial. Na literatura psicanalítica,
a sublimação é frequentemente
considerada como um mecanismo ou um modo de defesa contra as pulsões. Todavia,
é importante salientar que a defesa não se situa no nível da sublimação, mas antes em um recalque que
a precede, sem a qual, a sublimação
não poderia existir. Sigmund Freud sistematiza para as pulsões três destinos:
recalque, inversão da pulsão em seu contrário, volta contra a própria pessoa e
a sublimação[1]. O
recalque é o mecanismo típico das neuroses, o qual neutraliza o acesso à consciência
de ideias que causam desprazer. A inversão e a volta contra si são os mecanismos
que entram em jogo no sado-masoquismo e no voyeurismo-exibicionismo. E a sublimação é o processo através do qual
a libido se afasta do objeto sexual para outra espécie de satisfação. A sublimação, portanto, é um processo relativo
à própria pulsão e não um engrandecimento do objeto, como idealização. Com
efeito, a sublimação propicia a
possibilidade de atingir certo grau de satisfação sexual a despeito da defesa e
pode ser considerada, grosso modo, como um alívio da pulsão.
A
sublimação de uma pulsão implica que
esta possa se satisfazer com os objetos de substituição e também que uma
satisfação imaginária ou simbólica possa se igualar com uma satisfação real. O
resultado da sublimação é o desvio da
energia libidinal de suas metas originais e investida em realizações culturais,
ou em realizações individuais úteis ao grupo social. A sublimação é um meio de reconciliar as exigências sexuais com as da
cultura, por conseguinte, reconciliá-las com a sociedade, ou reconciliar a
sociedade com elas. E apesar de a maioria dos indivíduos não possuírem igual
aptidão para a sublimação, pois, é
uma solução restrita a poucos, tal destino pulsional propicia uma
solução menos infeliz para o conflito cultural da sexualidade [2].
A
sublimação, segundo Freud, é um
mecanismo de defesa eminentemente positivo para a sociedade, constituindo um
bem social. Pois, pode-se dizer que a maior parte das grandes personalidades e
dos grandes feitos ocorridos na história humana só foram possíveis graças à sublimação. Com efeito, os grandes
artistas, os eminentes cientistas, os mais importantes líderes políticos, e
todas as personalidades que conseguiram se elevar acima da média eram indivíduos
cujos instintos não se manifestaram tal como eram, ao invés disso, sublimaram
os instintos egoístas e transformaram estas forças em realizações sociais de
grande valor, a exemplo das realizações artísticas[3].
Com
efeito, as realizações artísticas, segundo Freud, não são uma simples projeção
do artista, mas configura-se um esboço de solução dos conflitos psíquicos.
Desta forma, as obras de arte ajudam a compreensão do conceito psicanalítico da
sublimação: a capacidade de liberar
energias que estavam investidas em figuras arcaicas para serem investidas em
novas figuras. Mediante a sublimação,
portanto, o desejo é transformado em ideal sublime.
Em
química a sublimação é entendida como
o processo de transformação da matéria do estado sólido para o estado gasoso.
No que tange à moral o conceito está associado à purificação e à perfeição. Todavia, em psicanalise esta noção descreve as
atividades humanas que não estão relacionadas aparentemente à sexualidade, mas
cuja origem só é possível a partir da pulsão sexual. Neste sentido, a sublimação reporta-se a uma mudança nos
objetivos da pulsão, que abandonaria seus objetos originais de natureza sexual,
para se conectar a outras metas, as quais são socialmente apreciadas, como a
arte, o esporte, a ciência, a religião, etc. Escreve Carlos Estevam a respeito[4]:
Essa
tese foi exposta por Freud nos seguintes termos: Uma tendência humana se
apresenta muito intensificada, quando incorporou a si, a fim de se fortificar,
forças sexuais instintivas, da mesma forma que um pequeno riacho pode ser engrossado
extraordinariamente pelas águas de um rio caudaloso. Pode assim acontecer que
um homem se dedique ao seu trabalho com o mesmo entusiasmo apaixonado com que
outras pessoas se dedicam aos seus amores, pois o trabalho pode representar
para ele o que o amor representa para os outros, ou seja, um modo de dar
expansão ao seu instinto sexual. A sublimação é essa capacidade que tem o
instinto sexual de renunciar ao seu objetivo imediato em troca de outros objetivos
não sexuais e mais apreciados pela sociedade.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BRABANT,
Georges Philippe. Chaves da psicanálise.
Zahar Editores. Rio de Janeiro:1973.
ESTEVAM,
Carlos. Freud. José Alvaro Editor.
Rio de Janeiro: 1968.
FRANCO,
Sergio de Gouvêa. Hermenêutica e
psicanálise na obra de Paul Ricoeur. Edições Loyola. São Paulo:1995.