terça-feira, 8 de outubro de 2013

LAPSO DE LINGUAGEM, EXEMPLO DE PSICOPATOLOGIA NA VIDA COTIDIANA



A maneira mais direta e eficaz de verificar a existência  de processos psíquicos  inconscientes são os fenômenos do cotidiano. Freud estava cônscio disto, por isto, escreveu uma obra voltada para o esclarecimento do público leigo a respeito de suas descobertas clínicas. Esta obra se chama Psicopatologia da vida cotidiana (1901), na qual aborda os atos falhos, que incluem os esquecimentos, os lapsos de linguagem, os erros de escrita, de leitura, e as falsas percepções. O objetivo de Freud foi mostrar para seus leitores que os mesmos conflitos inconscientes verificados nos indivíduos neuróticos, portanto, anormais, ocorriam também na vida de indivíduos ditos normais. Isto ocorre, porque a diferença entre a normalidade e a anormalidade para Freud é somente de grau e não de natureza. 

Convém destacar que na obra A Interpretação dos Sonhos (1900) Freud assegura ser o sonho  uma espécie de sintoma neurótico típico das pessoas normais, pois também é fruto de uma formação de compromisso -  espécie de síntese entre dois desejos antagônicos. Além disso, é também possível fazer semelhante comparação entre os indivíduos normais e os psicóticos: o esquizofrênico viveria numa espécie de sonho em estado de vigília ao confundir suas fantasias subjetivas com a realidade, e o sujeito normal ao sonhar  viveria uma espécie de esquizofrenia no estado onírico.
  Basicamente, a diferença entre uma neurose obsessiva, por exemplo, e um ato falho, reside no fato de que no neurótico o ego não foi forte o suficiente para equilibrar o conflito entre um desejo reprimido e uma determinação Superegóica, o que culminou num sintoma. Nos indivíduos normais os atos falhos equivalem, num certo grau, aos sintomas neuróticos, pois também são produtos de um conflito psíquico, mas com a diferença de que são extemporâneos e "fracos". Extemporâneos porque ocorrem acidentalmente e logo são controlados, "fracos" porque não geram os sofrimentos psíquicos que caracterizam os neuróticos, não obstante serem muito comuns.  Examinemos a seguir, um caso hipotético de lapso de linguagem para compreendermos melhor o conflito existente entre o Id e o Ego, tanto nos indivíduos normais, quanto nos neuróticos.
Suponhamos a existência de uma pessoa que alimentava sentimentos hostis contra seu vizinho, depois que este morreu, no seu velório poderá dizer a algum parente próximo: “meus parabéns pela morte do João” em vez de “minhas condolências pela morte do João”. Ora, este lapso de linguagem é muito fácil de compreender a partir das noções de conflito dinâmico entre o Id e o Ego.  De um lado, o Ego do indivíduo rejeita o desejo de querer morto outro ser humano, pois não foi isto que seus pais lhe ensinaram, nem sua religião. Por outro lado, sua personalidade não foi capaz de neutralizar por completo o sentimento de hostilidade contra o defunto, o qual fora expelido para bem longe da consciência. Neste momento se instala uma espécie de  guerra mental, fruto do conflito entre as pulsões do  Id e as pulsões do Ego: de um lado o Id diz “fique feliz pela morte dele, ele não prestava mesmo!”, e de outro o Ego diz  “ lamente a morte dele, você é um bom católico!”; o Id afirmaria P e o ego afirmaria ~P.  Neste conflito de desejos o  lapso de linguagem seria, portanto, um breve vazamento  do desejo hostil reprimido, uma rápida manifestação do recalcado “à luz do dia da consciência”.





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