A
interpretação psicanalítica da obra de arte apesar de ser valiosa possui uma
limitação pelo fato de não dispor do método da associação livre como um de seus
recursos, estando também alheia ao ambiente transferencial. Por isto, Freud
interpreta a obra de arte singularmente e todos os seus ensaios sobre obras de
arte possuem um alcance muito limitado.
No
ensaio Moisés e Michelangelo, Freud
assegura o paralelo entre o trabalho do sonho e o trabalho da criação artística.
Destarte, Freud superpõe a interpretação do sonho e a interpretação da obra de
arte. Com efeito, o sonho é fugaz, enquanto a obra de arte entra na cultura e
nela permanece. E longe de elaborar uma teoria geral da arte, Freud realiza um trabalho
minucioso e paciente da obra que está diante de si com todas as suas
particularidades – a escultura de Moisés feita por Michelangelo.
No
tocante ao ensaio sobre Leonardo da Vinci, Freud procura tratar do fundamento
pulsional que sustenta a obra. Todavia, não sendo possível o acesso às pulsões,
mas unicamente às suas expressões psíquicas, a análise de Leonardo não deve ser
absolutizada, mas considerada uma especulação mais ou menos plausível[1].
Não
obstante Freud admitir que a psicanálise não tenha recursos suficientes para
falar sobre o valor da criação artística, quando ele fala de Leonardo procura
analisar a função que a sua fantasia original teve em seu trabalho artístico, a
saber, a relação com as duas mães que aparecem em seus quadros, tanto no do
Louvre quanto no desenho de Londres, com um corpo duplo e uma mistura de
pernas. Destarte, Leonardo pode ter imaginado que aconteceu com sua mãe o mesmo
que com a Virgem Maria, que também teve um filho sem pai, e, portanto, sem a relação
sexual e sem a castração[2].
Freud, também, elabora um paralelo entre o
poeta e a criança, pois ambos criam um mundo imaginário o qual é levado a
sério: investem uma carga afetiva significativa em sua produção ao mesmo tempo
distinguindo-a da realidade. Segundo Freud, sonho e poesia são produtos da
mesma insatisfação humana. Com efeito, a obra de arte tem o objetivo de
permitir que as pessoas gozem de suas fantasias sexuais sem qualquer censura por
parte do superego. A obra artística em
geral representa, portanto, um prazer que descarrega desejos inconscientes
profundos. Destarte, a teoria psicanalítica enxerga nas artes o produto
psíquico das representações pulsionais que se tornam manifestação cultural, o
que leva Freud a considerar a arte como uma cura e não como um sintoma. Dessa maneira a arte é uma forma
não-obsessiva e não-neurótica de satisfação dos desejos humanos e a eficácia de
sua criação estética reside no fato de ser uma produção desvinculada do retorno
do recalcado.
Com
efeito, a obra artística não é uma mera projeção dos conflitos inconscientes
presentes no artista, mas é um poderoso esboço de solução e nos ajuda a compreender
o tema da sublimação. O termo sublimação evoca o campo das belas artes ou da
química e possui para Freud um valor positivo por ser
a via menos infeliz para o conflito
cultural da sociedade. A sublimação pode
ser definida brevemente como a faculdade de liberar energias que estavam
investidas em figuras arcaicas para serem investidas em novos objetos. Com
efeito, a sublimação de uma pulsão implica que esta possa se satisfazer com os
objetos de substituição, isto é, obter uma satisfação imaginária ou simbólica igualando-se
a uma satisfação real. O ato de sublimar tem como resultado que a energia
libidinal seja desviada de suas metas sexuais e investida em realizações culturais
ou realizações individuais úteis a sociedade[3].
A
sublimação, portanto, transforma a energia sexual em energia psíquica de um
tipo superior. Uma tendência humana qualquer se torna muito intensificada
quando incorpora, como o intuito de se fortificar, impulsos libidinais, como um
pequeno riacho pode ser engrossado de maneira extraordinária pelas águas de um
rio caudaloso. Através da sublimação pode
acontecer de algum artista se dedicar a sua obra com o mesmo entusiasmo
apaixonado com que outras pessoas se dedicam aos seus amantes, pois, com efeito,
o trabalho artístico pode representar para o artista o que o amor ou a paixão
representa para as outras pessoas. A sublimação, portanto, é a capacidade que
as pulsões sexuais têm de renunciar ao seu objeto imediato em troca de outros
objetivos não sexuais e mais apreciados pela sociedade[4].
REFERÊNCIAS
BRABANT, Georges Philippe. Chaves da Psicanálise. Zahar Editores. Rio de Janeiro: 1971.
ESTEVAM, Carlos. Freud: vida e obra. José Álvaro Editor. Rio de Janeiro: 1968.
FRANCO, Sergio de Gouvêa. Hermenêutica e psicanálise na obra de Paul Ricoeur.Edições Loyola. São
Paulo: 1995.
SIQUEIRA, Beatriz Elisa Ferro. Leonardo Da Vinci: fantasma, arte e sublimação. Revista Psicanálise & Barroco
Ano 3 número 5.
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